sábado, 5 de fevereiro de 2011

Missão HDL


Nunca o HDL, que representa a fração boa do colesterol, esteve tão em alta na cardiologia. Na corrida para conter os problemas cardiovasculares, a ciência anuncia remédios capazes de catapultar as taxas da partícula. Em meio à promessa, mapeamos as atitudes que prestam esse serviço ao coração.

Há alguns anos, um verbo em particular não saía da boca do cardiologista. A palavra de ordem era abaixar: a pressão arterial, o ponteiro da balança, o colesterol... Quando o assunto envolve essa molécula que trafega pelo sangue, então, a meta sempre foi derrubar o LDL, versão reconhecida como perigosa aos vasos. Quase passava despercebida nessa história outra partícula, que, diferentemente da sua antagonista, merecia ser levada às alturas. Estamos falando do agente que recolhe o lixo gorduroso das artérias, o HDL (veja o quadro ao lado). Por fazer uma faxina no sistema circulatório, a substância é apontada como um guarda-costas do peito. De olho nessa vocação, a ciência quer agora aumentar o tamanho da equipe. Até porque só podar o LDL parece não dar sossego absoluto ao coração.

“Os estudos com populações de alto risco e doença cardiovascular instalada têm mostrado que, mesmo diminuindo o colesterol ruim, essas pessoas continuam sob ameaça”, conta o cardiologista Marcelo Assad, do Instituto Nacional de Cardiologia, no Rio de Janeiro. “Entre 30 e 40% delas sofrem um infarto ou um derrame apesar de estarem tomando um remédio para controlar o LDL”, completa o cardiologista José Rocha Faria Neto, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Se é fato que retirar o LDL do pedaço resulta em menos placas obstruindo os vasos, os médicos estão esperançosos de que, ao alavancar o HDL, veias e artérias fiquem ainda mais livres de entupimentos.

Esse raciocínio inspirou a indústria farmacêutica, e já estão em testes medicamentos capazes de elevar as taxas do bom colesterol. A promessa mais tangível é um comprimido do laboratório Merck, o anacetrapibe, que acaba de passar por um estudo de segurança publicado na respeitada revista médica The New England Journal of Medicine. “Se os resultados permanecerem positivos, a droga pode revolucionar o tratamento dos males cardiovasculares”, acredita o líder do trabalho, o cardiologista Christopher Cannon, do Brigham and Women’s Hospital, em Boston, Estados Unidos.

A nova droga pró-HDL foi avaliada durante seis meses em 1 623 pessoas com histórico de doença cardiovascular ou sob alto risco de infarto. Os resultados impressionaram: além de reduzir em quase 40% o LDL, o anacetrapibe aumentou em cerca de 140% a fração do bem. Qual a sua façanha? “Ele inibe uma enzima que transfere o colesterol da HDL para as lipoproteínas VLDL e LDL”, explica Cannon. “É como se evitasse um roubo de carga pelas carreadoras de colesterol, que, em excesso, contribuem com a formação de placas nos vasos”, traduz a cardiologista Vera Portal, do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul. Essa operação permite que a HDL não trabalhe em vão e o colesterol transportado por ela permaneça lá em cima.

A pesquisa americana demonstra que o medicamento não provoca efeitos adversos expressivos — e isso merece ser levado em consideração. Os estudos com o antecessor dessa droga, o torcetrapibe, do laboratório Pfizer, foram suspensos no meio do caminho. “Foi uma decepção: apesar de aumentar consideravelmente as taxas de HDL, o remédio propiciou mais infartos e mortes”, conta Vera. É que o fármaco elevava, sem querer, a pressão arterial. O anacetrapibe até pertence à mesma classe, mas tem características diferentes. “Observamos que ele não apresenta os efeitos colaterais do torcetrapibe”, relata Cannon. Daí porque foi aprovado no quesito segurança.

Antes de ser rotulado como uma pílula mágica, porém, o remédio da Merck precisa responder a uma pergunta proposta pela professora Vera: “Afinal, aumentar o HDL reduz mesmo a incidência de infarto?” Ainda este ano, uma nova investigação irá atrás da resposta. A princípio, o anacetrapibe não servirá a gregos e troianos como um agente preventivo. “Ele deve ser destinado aos grupos de risco, como pessoas com doença cardiovascular confirmada, ou indivíduos com um HDL muito baixo”, avalia o cardiologista Luiz Antonio Machado César, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, o Incor. O fármaco tampouco dispensará uma parceria com as estatinas, drogas que baixam o colesterol ruim. “Sabemos hoje que diminuir o LDL minimiza a mortalidade. Precisamos descobrir agora se erguer o HDL também oferece esse resultado”, diz o cardiologista Antonio Casella-Filho, também do Incor.

No terreno das promessas, encontramos até moléculas sintéticas de HDL. Pesquisadores da Universidade Northwestern, em Chicago, Estados Unidos, conseguiram desenvolver lipoproteínas protetoras artificiais, que serão testadas em animais. Se tudo der certo — e não houver rejeição —, devem trabalhar daqui a alguns anos dentro do corpo humano. A genética não fica de fora dos planos futurísticos. Cientistas procuram maneiras de alterar os genes — ou moléculas que regem o código genético, caso dos microRNAs — para incrementar as cifras de HDL. “Mas, nesse campo, ainda estamos engatinhando”, comenta Machado César.

Fonte: Saúde!

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